Voltar 16/10/2018 | STARTUPS - ONDE NASCE A INOVAÇÃO

Publicado em outubro de 2018

Por Mariana Segala - Revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios

 

De onde vêm as startups mais inovadoras do Brasil? Nos últimos 20 anos, algumas regiões se consolidaram como pontos nevrálgicos. São locais onde um conjunto de fatores — mão de obra, mercado, capital, universidades, poder público — proporciona as condições ideais para o surgimento de novos negócios, principalmente de base tecnológica. Nesses ecossistemas em ebulição, surgiram algumas das startups mais revolucionárias do país, incluindo os primeiros unicórnios. É o caso da cidade de São Paulo, que, com suas condições privilegiadas — acesso fácil a universidades, parques tecnológicos, aceleradoras e fundos —, é o berço de fmtechs de impacto como Nubank e GuiaBolso. Ou de Florianópolis, a cidade brasileira com o maior número de startups por habitante — são cerca de 16 mil empreendedores, segundo a Associação Catarinense de Tecnologia (Acate) —, de onde vieram Neoway e Resultados Digitais. E ainda de Belo Horizonte, onde o chamado San Pedro Valley congrega universidades, hubs de inovação e fundos de venture capital: Samba Tech, Méliuz e Sympla são apenas alguns dos cases de sucesso.

Com 300 empresas instaladas e um faturamento anual de R$ 1,7 bilhão, o Porto Digital é considerado o polo mais bem estruturado do país — o local foi apontado como um dos cinco ambientes de negócios mais inovadores do mundo pela consultoria McKinsey Global Institute. “Para conseguir isso, tivemos de reunir o que chamo de tríplice hélice: mercado, universidade e esfera pública. Todos juntos para promover um ambiente de desenvolvimento tecnológico”, afirma Francisco Saboya, atual CEO do parque (a partir de novembro, ele será substituído por Pierre Lucena). Na sua visão, o Porto Digital deveria ser replicado em todo o Brasil. “Somos a prova cabal de que é possível desenvolver políticas públicas combinadas com estratégias privadas em áreas periféricas do país. E que esse tipo de ação resulta em ambientes de empreendedorismo, geração de negócios inovadores e regiões desenvolvidas.”

O desejo de Saboya começa a se realizar. Estudos recentes sugerem uma descentralização cada vez maior dos polos, que surgem em pontos inesperados, muitas vezes sem planejamento, mas com muita vontade de fazer. Um mapeamento realizado pela Associação Brasileira de Startups (ABStartups) concluiu que três quartos das startups brasileiras estão localizadas em dez pontos do mapa do país, incluindo cidades que não costumam figurar entre as referências mais tradicionais em tecnologia, como Fortaleza (CE), Londrina (PR) e Uberlândia (MG). Da mesma forma, o último ranking de cidades empreendedoras elaborado anualmente pela En- deavor traz entre as campeãs municípios como Joinville, em Santa Catarina, São José dos Campos, no interior de São Paulo, e, no Paraná, Maringá e Curitiba — esta última subiu 11 posições de um ano para o outro.

Na prática, o que se verifica é que o ambiente de inovação está se alastrando pelo país. Não que os ecossistemas fora do eixo tradicional estivessem dormentes. A maior parte deles tem um histórico que os habilitava a sediar startups de ponta — uma universidade importante, uma empresa pioneira, um mercado emergente. E alguns deles já haviam gerado patentes e produtos inovadores — mas isso acontecia de maneira isolada. “A conexão dos atores dá volume e visibilidade aos ecossistemas. E uma região que demonstra ter força desperta o interesse dos investidores”, diz Jorge Moraes, um dos empreendedores envolvidos na gestão do Rapadura Valley, como é conhecido o ecossistema de Fortaleza.

Entre as cidades que compõem essa espécie de segunda onda dos polos de inovação brasileiros, há muitos pontos em comum. O principal: todas possuem uma rede de instituições de ensino de qualidade reconhecida — em cada uma delas há pelo menos uma universidade federal. Também costuma existir algum “herói” — uma empresa ou um empreendedor que já deu muito certo. Esse personagem, além de ser um exemplo próximo de sucesso, assume um papel de formador de quadros qualificados que, mais tarde, irão empreender por conta própria. Nos ecossistemas bem-sucedidos, também há algum grau de convergência entre os empreendedores.

“A articulação do setor privado é um fator importante”, diz Anna Paula Graboski, que representa em Uberlândia a Singularity University — escola para empreendedores instalada dentro de uma unidade da Nasa no Vale do Silício.

Em alguns polos, essa movimentação acontece de maneira totalmente espontânea. Em outros, alguém assume a frente — seja um parque tecnológico, uma empresa privada ou um órgão do poder público. “Quando se junta o talento, a academia, uma grande empresa, um parque tecnológico ou simplesmente a geografia favorável de uma rua ou um bairro, a chance de dar certo é grande”, diz Amure Pinho, presidente da ABStartups. Para as cidades, o valor dessa equação é gigantesco. “Nos casos em que não existe um ambiente favorável, as pessoas que querem inovar vão embora.

 

APOIO PÚBLICO E PRIVADO

Os fundadores da Agenda Edu se conheceram em 2014, em um Startup Weekend. Um deles chegou com o problema: como aperfeiçoar a comunicação das escolas com os pais dos alunos? Cinquenta e quatro horas mais tarde, nascia o embrião de uma agenda escolar digital hoje adotada por mais de 1,2 mil instituições de ensino. O faturamento, de R$ 2 milhões em 2017 deve triplicar neste ano. Em fevereiro, a empresa recebeu um aporte de R$ 3 milhões do fundo Domo Invest. “Encontramos o talento e o mercado de que precisávamos em Fortaleza mesmo", diz Anderson Morais, 27 anos, CEO da startup. O ecossistema local, apelidado de Rapadura Valley, conta com cerca de 70 coworkings, além de três parques tecnológicos ligados a universidades. No Centro de Inovação da Microsoft, há coworking e pré-aceleração — também é lá que o governo cearense desenvolve o programa Corredores Digitais, de estímulo ao empreendedorismo estudantil. Na sede do Banco do Nordeste (BNB) fica o Hubine, com oito empresas, entre elas a premiada plataforma de aplicativos TotalCross. “Nossos eventos colocam as startups em contato com o mercado", diz Cláudio Freire, diretor do banco. O próximo passo é prover capital: projetos de inovação receberão até R$ 300 mil do BNB, num programa de subvenção de R$ 5 milhões.

 

EMPREENDEDORISMO CORPORATIVO

Bruno Pierobon, 36 anos, e Gustavo Debs, 32. tinham cargos de liderança no grupo Algar quando começaram a pensar em empreender. A primeira ideia era focada em ferramentas de comparação de preços no e-commerce. Debs saiu do emprego para tocar o projeto. Oito meses depois, Pierobon fez o mesmo. Eram os primeiros passos da Zup, fundada em 2011 em Uberlândia, com mais dois sócios. Eles criaram uma consultoria que desenvolve produtos digitais e que, em 2015, recebeu investimento do fundo Kaszek, de ex-executivos do MercadoLivre. “Despertamos interesse na mão de obra local porque geramos oportunidades fora dos grandes centros", diz Pierobom. A Zup faz parte do ecossistema apelidado de UberHub, que envolve mais de 160 players, entre empresas de base tecnológica, startups, consultorias e universidades. Uma característica do conjunto é mesclar ações do poder público e do setor privado. O programa UberHub Code Club, que ensina programação a adolescentes, foi encabeçado pela prefeitura, mas quem banca é o empresariado. Uma das âncoras é a própria Algar. De um lado, forma quadros — empreendedores que já passaram por lá. De outro, fomenta o ecossistema, com o fundo Algar Ventures e o Instituto Brain, onde novos produtos são criados em parceria com startups.

 

DA SALA DE AULA PARA O PARQUE TECNOLÓGICO

Em 2012, um grupo de aspirantes a empreendedores começou a se reunir de maneira informal nas padarias e botecos de São Carlos, no interior de São Paulo. A sistemática era simples: quem tivesse um projeto ou produto na cabeça o apresentava aos colegas. "Éramos todos inexperientes, mas com muita vontade de botar a mão na massa", diz Bruno Henrique Oliveira, 32 anos. Foi nos encontros do Sanea Hub — como o movimento acabou apelidado — que ele conheceu Christian de Cico, 32. Hoje, eles são sócios da Arquivei, startup que desenvolveu uma plataforma para gerir as notas fiscais das compras realizadas pelas empresas. Fundada em 2014, já recebeu investimentos de três fundos. A cidade, que tem um campus da USP e uma universidade federal (a UFSCar), conta com mais 40 mil universitários, ponto de atração para as startups. A presença de um parque tecnológico criado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o ParqTec, é um estímulo extra para que os projetos saiam do papel. A movimentação se intensificou tanto nos últimos tempos que atraiu para a cidade o centro independente de inovação Onovolab. Instalado nos galpões de uma antiga fábrica de tecidos, abriga 40 startups — até o fim de 2019, o número deve chegar a 300.

 

CELEIRO DE UNICÓRNIOS

Quem chegou primeiro foi a fintech Ebanx, que processa os pagamentos de compras feitas por brasileiros em sites internacionais. Depois, vieram outras empresas, como a plataforma de cursos online EadBox e o sistema de gestão de academias Tecnofit. Nos últimos três anos, diversas startups transferiram seus escritórios para as imediações do terminal de ônibus do Guadalupe, transformando a área central de Curitiba em um polo informal de inovação que emprega pelo menos 2 mil pessoas. “Chegamos a pensar em deixar Curitiba, por razões comerciais, mas resolvemos ficar, porque nossos clientes são globais e aqui a relação entre custo e benefício é favorável", diz André Boaventura, sócio e diretor da Ebanx, que recebeu um aporte de US$ 30 milhões do fundo americano FTV Capital e é cotada para se tornar mais um unicórnio brasileiro. O ecossistema de inovação da cidade, batizado de Vale do Pinhão, recebeu um empurrão do poder público recentemente. Um projeto de revitalização dos bairros Rebouças e Prado Velho, repletos de galpões industriais vazios, propõe incentivos para que a região seja ocupada com iniciativas ligadas à tecnologia. "A área será um laboratório para o Vale do Pinhão”, diz Cristina Alessi, presidente da Agência Curitiba.

 

VOANDO BEM ALTO

No entorno da avenida Santos Dumont, estão sediadas algumas das startups mais prestigiadas de Joinville, como a Meus Pedidos, focada na automação de equipes de vendas, e a Asaas, plataforma de cobrança para pequenos empreendedores. Próxima de universidades e do aeroporto, a região já abrigou a sede da Datasul, gigante do software incorporada pela Totvs em 2008. No intervalo entre o boom da Datasul e a febre de startups dos últimos cinco anos, o ecossistema local saiu dos holofotes — em Santa Catarina, o protagonismo ficou por muito tempo com Florianópolis, isso está mudando: Joinville já é a terceira cidade do país em número de startups por habitante, segundo a ABS. A Conta Azul, que criou um sistema de gestão para pequenas empresas, é o empreendimento mais conhecido a sair de lá. Piero Contezini, cofundador e CEO da Asaas, estava no time pioneiro da Conta Azul. Em seu novo negócio, fundado em 2013, desenvolveu um sistema que permite a pequenas empresas emitir um boleto de cobrança em 30 segundos. "Há uma série de tecnologias disruptivas em desenvolvimento na cidade", diz Contezini. A Asaas, que já recebeu investimentos de R$ 10 milhões, deve encerrar 2018 com um faturamento de R$ 13 milhões.

Perdem-se os profissionais com melhor formação, que procuram oportunidades nos grandes centros. A formação de um polo muda tudo isso”, afirma Pinho.

Para as empresas nascentes, pode ser interessante estar fora dos polos consagrados. Embora ali os talentos sejam abundantes, também há uma quantidade maior de competidores disputando as mesmas pessoas. O custo da mão de obra, portanto, é mais elevado — assim como o custo de aluguel de espaços físicos. “É mais caro extrair inovação nesses lugares”, diz Pinho. Para quem opta por novos ecossistemas, o mais difícil costuma ser o acesso a capital, já que o grosso dos investidores — anjos e fundos — está instalado em cidades como Rio, São Paulo e Florianópolis. Por isso, a ponte aérea é uma constante na vida desses empreendedores. Mas esse é só mais um dos desafios de quem procura inovar no país. “O Brasil faz inovação do jeito certo, mas de forma lenta”, diz Jorge Audy, membro do conselho consultivo da Anprotec (Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores). Para acelerar o ecossistema, ele acredita que é preciso união. “Governo, sociedade, empresas e universidades precisam se organizar, criar metas e colocá-las em prática. A inovação tecnológica será consequência”, diz.